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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Verão sem fim

O fim do Verão sabe-me a morte. Não é sabor a morte como a conhecemos. A morte de caixão, velório e corpos pálidos e frios. Não é essa morte que me abarca nesta asa de pensamento. É morte diferente da perda física. Envolve-me uma perda subtil e tão leve que nem sequer a tomo como perda de algo em si. É estranho, para mim, tentar explicar algo que se manifesta desta forma nos recônditos do corpo e coração, algo tão sumiço e tão desvanecido que é difícil a devida caracterização. As palavras jamais vencerão um coração aberto à vida. É tudo uma questão de emoções. Sinto que, ao colocar uma só letra que seja num espaço branco, essas sensações que tento caligrafar se acabam por perder. Normal – dirão alguns. Mas o que temo, talvez irracionalmente, é que essas sensações me deixem de visitar. As palavras conseguem, por algumas vezes, desmistificar e gastar o corpo. Eu sou visitado por esses sentimentos – acredito que os conservo melhor se não os partilhar. Não os chamo. Vêm. Apenas isso. Todas essas sensações estão de alguma forma ligadas e, por mera naturalidade, induzem-me a um bem-estar quase, quase hipnótico. Toda a vez que me meto debaixo da água do chuveiro depois de uma tarde de praia num Setembro rachado ao meio, onde já se sente no ar o palpitar do arrefecimento do crepúsculo, e sinto a água morna a querer ser quente na pele; toda a vez que percorro a auto-estrada, de volta a casa, com o sol a testemunhar quilómetros percorrido em silêncio; toda a vez que o silêncio das noites me invade e, eu de mente dispersa no horizonte, sinto toda a grandiosidade da vida em mim. É quase como se me sentisse um balão a encher de ar, um vida toda a ser “carregada” para dentro de mim. E depois, lá vem essa perda, essa perda boa, de algo que se vai, mas que sabemos, que à parte de qualquer tragédia, ironia, ou partida de destino, voltará a nós. O que mais me agrada nisso, é toda a possibilidade que essa sensação encerra em si. Onde estarei? Que vida estarei a criar nessa altura? Tudo tem um peso de renovação. Renovação interior. Dentro de mim, o Verão nunca deixará de ser Verão. É dele que vêm as minhas melhoras recordações, e tenho a certeza, que é dele que virão momentos ainda melhores. Será sempre assim, em ciclo, porque esses momentos juntar-se-ão às melhores recordações quando eu, quando eu num qualquer fim de tarde, sentado no terraço, sentir-me seta apontada aos dias desconhecidos, sentir-me infinito por descobrir, sentir-me renascido. Já se disse muitas vezes, mas convém relembrar que - em toda a perda há um novo nascimento, uma nova vida, um novo sentimento, enfim – há a ilusão de que tudo perdurará para sempre, de que nada disto que se vê ou sente tem na realidade qualquer fim, nem que seja, apenas e só, numa memória inclinada ou esparsa...

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