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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Morreria por um talvez

Vieras outra vez – como me disseste que virias. Vieras uma vez mais, com o julgamento, com a superioridade de quem se despe e se volta a mascarar, com a inferioridade esboçada para seres maior. Agarra-te e cola-te ao que quiseres. Tu – como anjo de apocalipse de plástico ou cera que se derrete. Tu – com o braço maior da tua podridão. Tu – como meu ser nefasto. A faca desmedida a pingar o teu sangue – sangue de mim. Não me vens. Alimentar-te-ias deste meu açúcar, deste meu sal, deste meu tecido esponjoso; tu sabes que sim. Ainda teria de ser teu. Na morte. No cruel sentimento de que haveria outro dia para mim a seguir, haveria? Dirias que não. Dirias que estabeleceras a ordem confusa de sinas com que me foras tecendo. Dirias que eras tu, sim tu, tu saberias dizer que o inaudito movimento último, seria sempre teu – proclamado. Até ao fim. Como ligadura ou gaze sem qualquer utilidade. Como vazio a que me propus, quando te fui qualquer coisa, sem ser vida num cindido gesto a que me remeterias – como pudera sentir que me foras e que não vieras em vão? Cajado de enganos como fantoche de pratas - diria eu. Incinerados os meus filhos, mortos e carcomidos no teu rasto que me faria rastejar. Como boca caída – talvez, ainda. Dirias assim que me invadisses, porque eu sei – sim eu sei que o farias; dirias – acabou por hoje. Manter-me-ias cativo na tua falácia. Sempre soube que aqui chegavas, não sem antes saber, que aí, que aí sim, e meu amigo que te chamo, que voltaria bem lá atrás onde me prometeras que eu teria de ir. À ilusão do que vivi – onde tu e eu nos encontrámos para me dizeres que de alguma forma morri. Morreria por um se. Morreria por um talvez. Vieras tu assim – destemido e mutante. Vieras tu assim, aqui no rumor e no silêncio dizer-me que nunca nasci. E eu acreditaria. Mas não virás, nunca será assim – porque te sou maior. Insurge-te. Por muito que te revoltes e que me apontes ao chão - não. Não vencerás. Garanto.